Interação Cimento e Aditivo
Efeito do uso de dispersantes nas propriedades reológicas e cinética de hidratação de diferentes tipos de cimento Portland da América Latina.
As propriedades reológicas do concreto são influenciadas pela interação entre o cimento e os aditivos. Outros fatores, como o modo e o tempo de adição do aditivo, relação água/cimento e morfologia dos agregados também podem afetar o desempenho do concreto no estado fresco. A interação entre cimento e aditivo é determinada pela composição química e mineralógica do cimento, área de superfície, tamanho das partículas, porosidade e pre-hidratação, bem como pela estrutura de cada polímero policarboxilato. Os policarboxilatos diferem em termos do comprimento da cadeia principal e lateral e do peso molecular. Com essa complexidade em ambos os lados da interação, a generalização é difícil e cada par de cimento-policarboxilato requer estudo detalhado (Lange & Plank, 2015).
As partículas de cimento tem uma tendência natural para aglomerar-se quando misturadas com água, devido à sua polaridade e à força de atração de Van Der Waals entre esses aglomerados. A água fica presa entre esses aglomerados reduzindo a fluidez do concreto (Uchikawa, 1997). Os aditivos conferem vários efeitos sobre o concreto, o policarboxilato é adsorvido na superfície da partícula de cimento e reduz as forças de inter-partículas responsáveis pela tensão de escoamento do concreto ou pasta. Este processo provoca uma repulsão estérica entre as partículas de cimento, uma barreira física que irá conduzir a dispersão juntamente com um efeito de forças repulsivas, que resulta na dispersão das partículas de cimento e libera água para fluidificar a mistura ( Jolicoeur & Simard, 1998). Os aditivos base policarboxilato interagem com a superfície ou combinam quimicamente com as fases do cimento ou compostos hidratados (Ramachadran, 1995).
Figura 1: Representação esquemática das características em escala molecular e submolecular de um policarboxilato adsorvido (figura extraída do artigo : Molecular and submolecular scale effects of comb‐copolymers on tri‐calcium silicate reactivity: Toward molecular design – Autores: Delphine Marchon; Patrick Juilland; Emmanuel Gallucci; Lukas Frunz ;Robert J. Flatt).
A afinidade química entre a superfície da partícula de cimento e o policarboxilato é parâmetro importante para avaliar. A dosagem do aditivo aumenta a adsorção até que a superfície de cimento seja totalmente recoberta, os compostos adsorvidos alteram as propriedades superficiais da partícula e reduzem a tensão de escoamento do concreto/pasta (Marchon et al,2016). A evolução da química do cimento, as novas aplicações do concreto e a o mercado dinâmico em constante mudança, exigem o desenvolvimento constante de novos aditivos à base de policarboxilato. As ferramentas aqui discutidas facilitam o desenvolvimento de novos aditivos, fornecendo informações sobre esses fenômenos complexos e muito específicos do cimento.
O ajuste do tipo de molécula permite adaptar aditivos com propriedades específicas, para corresponder aos requisitos de cada concreto (Marchon et al,2016). As consequências da compreensão da interação cimento-aditivo permite que a evolução dos métodos para a validação e estimar o tipo e a dosagem do aditivo para cada aplicação, compatibilidade entre dois aditivos e agregados, permite o uso de materiais cimentícios suplementares e produção de concreto com propriedades melhoradas. O desempenho desejado para cada aditivo depende da demanda de mistura, aplicação, transporte, da trabalhabilidade e da estabilidade da trabalhabilidade ao longo do tempo. Portanto, para qualquer cenário, a avaliação adequada dos parâmetros e o perfil de comportamento reológico de cada composição de cimento em associação com os aditivos específicos é extremamente importante, uma vez que a aplicação ocorre no estado fresco, mas resultados são necessários sobre o estado endurecido (Rixom, 1999). Particularmente, a identificação de uma dose ideal de cada aditivo para um cimento específico é discutida neste trabalho.
As técnicas descritas aqui com base na fluidez, propriedades reológicas e cinética de hidratação, fornecem dados que permitirão uma previsão confiável das propriedades do concreto no estado fresco. Em cada experimento, a dose de policarboxilato é variada; com o aumento da dose do aditivo, a viscosidade e a tensão de cisalhamento são reduzidos, mostrando a capacidade de dispersão do aditivo. Enquanto o aumento da dose de aditivo reduz a viscosidade e a tensão de cisalhamento para todos os cimentos estudados, existem diferenças importante entre as respostas quanto ao comportamento reológico dos cimentos estudados.
Duas técnicas são comparadas aqui – fluidez por cone de Kantro e reometria. Foram estudados quatro cimentos da América Latina, coletados diretamente na fábrica de cimento (Tabela 1). Um aditivo à base de policarboxilato denominado MIRA FLOW 973 foi usado em combinação com cada cimento. Para o Kantro e reometria rotacional, a dosagem do aditivo para a dispersão do cimento foi aumentada começando sem aditivo e aumentando a dose até que a pasta se segregasse. A dosagem de cada aditivo é mostrada na Tabela 4. A fluidez e reometria rotacional em doses variadas, juntamente com reometria oscilatória e calorimetria em uma dose fixa, foram utilizados para avaliar as principais diferenças entre os cimentos, como usado na prática.
Tabela 1: Identificação das amostras de cimento
Como principal objetivo deste trabalho é avaliar a interação de um policarboxilato com diferentes cimentos, medindo e comparando as propriedades reológicas, os cimentos foram caracterizados por XRF, XRD e tamanho de partículas. A Figura 2 apresenta a distribuição do tamanho da partículas de cada cimento.
Figura 2: Distribuição de tamanhos de partículas dos cimentos
Os testes de distribuição de tamanho de partículas indicaram uma diferença significativa entre as amostras de cimento, o cimento AR apresentou o volume mais elevado de partículas grossas comparado às outras amostras. O cimento do BR apresentou o menor tamanho de partículas.
A Tabela 2 mostra as composição química dos ligantes obtidas por fluorescência de raios-X e na Tabela 3 a composição mineralógica. Os resultados indicaram uma diferença significativa entre os cimentos analisados. Especificamente, a XRD apresenta uma menor quantidade de alita e a presença de mellita no cimento CH, maior quantidade de calcita no CIMENTO CO e maior quantidade de periclasio no cimento BR. O cimento CH tem menor quantidade de clínquer no XRD foi identificado 46% de fase amorfa, que é derivado da adição mineral neste cimento.
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Tabela 2: Composição química por fluorescência de Raios-X
Tabela 3: Composição mineralógica calculada pelo método Rietveld
Os estudos foram feitos em pasta cimentícia, o procedimento para elaboração da pasta está representado abaixo:
Procedimento para mistura da pasta e dosagem do aditivo MIRA FLOW 973
Figura 3: Protocolo de mistura das pastas
Os resultados obtidos no início do período de consolidação podem estar relacionados às etapas de transporte e aplicação dos componentes cimentícios e foram estimados a partir do teste monoponto (mini-cone Kantro) e reometria rotacional. Estes são testes conceitualmente muito diferentes, mas muitas vezes os parâmetros reológicos obtidos com a variação da condição de cisalhamento podem ser correlacionados com o de flow. Neste trabalho foi avaliado o efeito de diferentes dosagens do mesmo dispersante base policarboxilato na fluidez de pastas produzidas com cimentos distintos comercializados na América Latina.
Tabela 4: Dosagem dos aditivos usados em cada teste, resultados dos testes de Kantro e reometria VA (Viscosidade Aparente, Pa.s) TE (Tensão de Escoamento, Pa)
Resultados da reometria rotacional
Figura 4: Flow (Kantro), viscosidade aparente e tensão de escoamento (reometria) para os cimentos distintos e dosagens do aditivo
Tabela 5: Dosagem ótima utilizada para cada cimento
Nas pastas com cimento CO e CH, ambos feitos com menos teor de clínquer do que AR e BR, o aditivo é mais eficaz em doses baixas. Uma vez que os policarboxilatos adsorvem mais eficientemente nas fases C4AF e C3A, é razoável que mais aditivo seja necessário para cimentos com níveis mais elevados dessas fases. O cimento BR exigiu maior dosagem do mesmo aditivo para dispersar e mesmo com a dosagem mais alta a segregação era menor do que os outros cimentos. Isso é provável porque o tamanho das partículas é menor – partículas menores adsorvem mais policarboxilato e gerar uma mistura mais coesa.
Figura 5: Storage Modulus (G’) dos distintos cimentos sem aditivo (curvas de cima)com MIRA FLOW 973@ 0.3% (curvas de baixo)
A pasta sem aditivo mostrou maior módulo de armazenamento ao longo do tempo e o ganho de consistência foi mais pronunciado do que na pasta com aditivo. Nos cimentos AR e BR não foi possível monitorar a evolução de G', pois após a primeira ruptura microestrutural não houve reaglomeração das partículas, ou seja, o limite viscoelástico linear foi ultrapassado, e o teste de varredura de tempo não foi mais realizado em um maneira adequada. As diferenças entre o cimento com e sem policarboxilato sugerem que a presença de aditivo influencia o enrijecimento, bem como a cinética da hidratação do cimento. Esse fato também ocorreu nas pastas com os cimentos CH e CO, mas depois de 1,5 horas. Com o uso do aditivo, a estabilidade do sistema foi aumentada, ganhando tempo de trabalho. Há um aumento perceptível no G’ final, em cada etapa da varredura temporal nas pastas sem aditivo, o que indica que a reestruturação da microestrutura está ocorrendo de forma mais intensiva, aumentando as forças da atração.
O calor liberado durante as primeiras 72 horas é mostrado na Figura 6 que apresenta a reação de hidratação das amostras de cimento com e sem mistura. Todas as amostras de cimento avaliadas apresentaram diferentes perfis de cinética hidratação, especialmente o cimento BR com maior liberação de calor do que as outras amostras e o cimento AR com menor liberação de calor no mesmo período de tempo. Nas curvas calorimétricas dos quatro cimentos avaliados com adição de aditivo, é possível observar uma intensificação do pico do aluminado, indicando a interação com o aditivo. O aditivo tem uma interação com as fases dos aluminadas do cimento, no cimento AR e CH e foi pronunciada a intensificação na depleção do pico de sulfato. O uso do aditivo, por outro lado, aumenta o período de indução dos cimentos BR, CH e CO, mas a cinética continua sendo o mesmo comportamento mostrado na tabela 6. Esse efeito é esperado, uma vez que os aditivos de policarboxilato melhoram a trabalhabilidade de pastas, argamassas e concretos, facilitando a dispersão de partículas de cimento por eletro repulsão, mantendo a estabilidade do sistema ao longo do tempo (Gauckler et al., 2008).
Figura 6: Fluxo de calor liberado ao longo do tempo para as suspensões de cimento
Comentários
Os resultados obtidos no teste do cone Kantro não permitiram a definição de uma dosagem ideal do aditivo, uma vez que a variação de fluidez ainda estava ocorrendo mesmo com a segregação. A estratégia de usar o ensaio de cone Kantro como forma de determinação do consumo de aditivo pode superestimar a dosagem. Embora as informações obtidas a partir deste teste de monopoto sejam comumente utilizadas no mercado, mais informações estão disponíveis a partir da reometria.
Com base nos testes de reometria, as pastas com cimentos CO e CH, exigiram menor dose do mesmo aditivo para atingir a dosagem ideal quando comparada aos cimentos BR e AR. O cimento BR exigiu maior dosagem do MIRA FLOW 973 para dispersar e mesmo com a dosagem maior a exsudação foi menor do que os outros cimentos. A composição química e mineralógica do cimento e a distribuição do tamanho das partículas são os principais parâmetros responsáveis pelo comportamento reológico de cada pasta, uma vez que o cimento BR apresenta maior teor de alita e C3A, também maior quantidade de partículas finas, comparando com o cimento CO que mostrou maior afinidade com este aditivo, exigiu assim menor dosagem para a mesma fluidez. Apesar do cimento AR apresentar maior quantidade de alita do que cimentos de CH e CO, apresentou partículas mais grossas e área de superfície específica inferior para reagir com o aditivo. Tanto os cimentos CH quanto CO dos quais apresentam menor teor de clínquer do que AR e BR, consequentemente menos teor de alita e maior quantidade de adições minerais, esta é a razão pela qual exigiu menor dose do aditivo para atingir a dosagem ideal em comparação com a dosagem mais alta necessário para AR e especialmente o cimento BR.
Os resultados encontrados nos testes de Kantro mostraram que o cimento CO apresenta maior afinidade com esse aditivo, exigindo assim menor dosagem para a mesma fluidez, seguido pelos cimentos CH, AR e BR, nesta ordem. Os resultados mostraram que pequenas doses do aditivo apresentaram maior viscosidade e tensão de escoamento para o cimento a CH, mas é interessante que este cimento exige menor aumento na quantidade de aditivo para diminuir significativamente tanto a tensão de escoamento quanto a viscosidade aparente, comparando-se com o cimento BR que exigiu maior dosagem do aditivo para reduzir significativamente os parâmetros reológicos. Tanto CO quanto AR apresentaram comportamento intermediário entre os cimentos BR e CH. O cimento CH apresenta esse comportamento por causa da distinta composição química e mineralógica, que interage de forma diferente com o aditivo.
Nas pastas sem aditivo o ganho de consistência foi muito mais pronunciado do que nas pastas com MIRA FLOW 973. Após o primeiro rompimento microestrutural, não houve recuperação adequada das partículas durante a avaliação oscilatória. Além disso, ao melhorar a fluidez da suspensão, o uso do aditivo aumentou o tempo de trabalho e acentuou a reação dos aluminados do cimento.
No entanto, a definição da dosagem otimizada não é trivial e depende do uso de técnicas de medição mais complexas, como a reometria rotacional, uma vez que o produto é avaliado diferentes condições de cisalhamento.
Para mais informações e referências consultar ao artigo publicado no Congresso de Química do Cimento - Prague/2019.
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